A crise econômica que o País viveu nos últimos anos impactou negativamente quase todos os segmentos da economia, em especial o setor da construção civil e o imobiliário. Felizmente, a realidade agora é outra. A redução da taxa básica de juros (Selic) para 4,25% e a linha de crédito imobiliário indexado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador inflacionário do País, reaqueceu o mercado e tem aumentado o otimismo de empresários.
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Vale a pena investir em imóveis fora do Brasil?
A construção civil é responsável por movimentar mais de 70 setores da economia, criar mais de 12,5 milhões de postos de trabalho diretos, indiretos e informais e representa 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, com faturamento anual de mais de R$ 1 trilhão. Quem nos conta mais sobre esse panorama é o presidente do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Odair Senra.
Formado em engenharia civil pela Escola de Engenharia Mauá, com MBA em Gestão Empresarial e Recursos Humanos pela FIA/FEA-USP, Odair é diretor do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), membro da Comissão de Edificações e Uso do Solo e participante também da Comissão Municipal de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo. Até setembro de 2018 ele atuou como presidente do Conselho de Administração da Gafisa, empresa onde ingressou como estagiário em 1970 e exerceu diversas funções. Em 2008, conquistou o Prêmio Top Imobiliário na categoria de Executivo do Ano.
O que podemos esperar do mercado imobiliário em 2020 e para os próximos anos?
Eu não tenho dúvidas de que será muito melhor. Passamos por cinco anos de quedas consecutivas em razão da crise econômica enfrentada pelo País, mas agora a economia brasileira tem apresentado bons sinais e essa realidade tem provocado grande entusiasmo nos investidores, nos construtores, nas incorporadoras e nas imobiliárias, sobretudo pelo excelente potencial de aumento nas vendas, compras e locações, nos créditos para financiamentos e até mesmo nos consórcios. Estamos conscientes de que ainda falta muito para a construção voltar ao nível de 2012. Entre 2006 e 2012, o PIB da construção subiu 62%. Entre 2013 e 2018, caiu 30%. No pico, empregávamos 3,5 milhões de trabalhadores, mas perdemos 1,2 milhão até 2018. No entanto, o PIB da construção cresceu 2% em 2019 e vai avançar outros 3% neste ano. O número de funcionários, que aumentou 1,8% no ano passado e atingiu 2,3 milhões de trabalhadores, deve continuar crescendo.
Isso significa mais acesso ao crédito e melhores condições para a conquista da casa própria?
Segundo levantamento da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o setor de incorporação tem condições de produzir, em 2020, um milhão de moradias. Isso considerando os R$ 50 bilhões a serem investidos pelo Governo em habitação. Tudo isso viabiliza um bom cenário para o mercado imobiliário não só neste ano, mas se tudo continuar nesse ritmo, para os próximos anos também. Então, não há dúvida de que a queda dos juros e a própria demanda reprimida dos outros anos que está acumulada vão levar as pessoas a empregarem suas economias em algo seguro e com rentabilidade. Se hoje as rendas fixas e os investimentos não dão tanto retorno, os imóveis dão, seja para morar ou para investir.
Em 2019, o Governo suspendeu a construção de quase 10 mil unidades pelo programa Minha Casa Minha Vida. Esse tipo de medida pode comprometer a retomada do mercado de imóveis e da construção civil?
Evidentemente, o Minha Casa Minha Vida é especial para o País. Contudo, é um complemento para o mercado imobiliário. Se o País vai bem, esse negócio tem que existir. A mudança que o Governo Federal está ensaiando fazer deve impactar principalmente a faixa 1 (famílias com renda mensal de até R $ 1.800). A insegurança é grande. Já atrasaram pagamentos, realizaram cancelamento de contratos, cortes no orçamento de 2020. Os recursos utilizados para a contratação dessas moradias no Orçamento da União para este ano são tão escassos que são liberados apenas para situações excepcionais, como famílias de baixa renda que perdem suas casas em catástrofes, por exemplo. Agora, a faixa 2 e 3, que tem muito mercado, o Governo já sinalizou que deve continuar. Temos uma indefinição que ainda assusta um pouco, mas tem muita especulação também. Acredito que a Caixa Econômica e o Governo não vão abandonar [o Programa].
Fala-se muito de imóveis sustentáveis. O Green Building Council (GBC) afirma que um bem certificado, seja residencial ou comercial, pode valorizar até 30%. Como está sendo tratada essa questão nos canteiros de obra?
Um empreendimento sustentável tem valor agregado importante. Além de colaborar com a vida de todos e do meio ambiente, esse fator passou a ser um diferencial desejável. Se existirem, por exemplo, dois apartamentos iguais, um com itens sustentáveis e outro sem, o que oferece reúso de água e teto solar tem muito mais liquidez. Não há empresa séria hoje em dia que não se preocupe com isso. Aliás, até existe um receio por parte das construtoras de receberem críticas por não estar praticando itens fundamentais de sustentabilidade, seja de resíduos, seja de consumo de água, entre outros fatores. A MRV, uma das maiores empresas que atua no Minha Casa Minha Vida, já entrega suas unidades com painel solar para aquecimento de água. Mesmo nos empreendimentos bem populares isso já é uma realidade. É algo que está culturalmente impregnado no empresariado.
A Caixa Econômica Federal incrementou sua linha de financiamento imobiliário, criando um novo formato de crédito indexado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Como o mercado avalia essa possibilidade?
A Caixa Econômica Federal sempre foi um leme. Eu trabalho neste mercado há 50 anos e uma coisa que eu percebi é que em todas as ocasiões em que a Caixa fechava o financiamento habitacional, independente de quem ia utilizar seus recursos, o mercado esfriava, pois entendia que a área imobiliária não estava bem. Então, o apetite da instituição no sentido de promover o negócio move todo o mercado. O financiamento pelo IPCA dá uma grande vantagem no valor da prestação inicial. A Caixa fala em redução da mensalidade de 30% a 40% e ainda é opcional. Cabe à pessoa escolher se é adequado ou não ao orçamento da família. Dados afirmam que a instituição já aprovou R$ 5 bilhões em financiamentos pelo IPCA e tem R$ 600 milhões na esteira de contratação. Os números apontaram também que o perfil dos clientes que estão recorrendo a este modelo de crédito procuram imóveis com valor entre R$ 250 mil e R$ 300 mil. Enfim, mais uma alternativa vinda de uma entidade que tem influência no setor. A Caixa com uma atuação forte e ativa incentiva o mercado.
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Além da iniciativa da Caixa, outros bancos resolveram entrar na briga do crédito e reduziram juros. Falta ainda alguma ação para consolidar o entusiasmo?
Toda a alternativa para incentivar o crédito imobiliário é sempre muito bem-vinda. A gente sabe que o FGTS e o recurso da poupança não são suficientes para atender a demanda de imóveis. Ter mais opções aumenta a segurança no crédito imobiliário, então a engrenagem começa a funcionar melhor. Mas ainda pode melhorar, com um reforço em parte do Programa Minha Casa Minha Vida e ajustes na cobrança de impostos sobre o setor. Isso também ajudaria a construção civil a acelerar ainda mais o passo.
O Governo Federal mencionou que deverá lançar em breve um novo programa habitacional, batizado de Aproxima, pelo qual vai oferecer terrenos para que construtoras ergam empreendimentos. Isso pode atender anseios do mercado?
A União, os Estados e os municípios realmente têm áreas que podem ser melhor aproveitadas. Logicamente, existe uma dificuldade para entender como isso será feito, por questões de propriedade fiduciária, mas o próprio Governo de São Paulo está fazendo o Nossa Casa, que prevê R$ 1 bilhão em investimentos para a construção de 60 mil moradias até 2022. Isso vai muito na linha do possível “Aproxima”. Evidente que esses terrenos devem ter problemas de documentação, problemas ambientais ou se tratarem de invasões, mas é uma forma de resolver e usar esses espaços para mitigar o déficit habitacional que existe. Aliás, não só existe como é um número altíssimo, de 7,757 milhões, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). A iniciativa deve ajudar muito, sobretudo para atender as faixas mais carentes, 1 e 1,5.
De que maneira a liberação do FGTS, iniciativa do Governo Federal, chegou a favorecer o mercado?
Eu diria que é um aperitivo no incentivo de tomada de decisão. R$ 500 já ajudam a formar o valor da entrada de um apartamento em determinados níveis sociais. Não é solução, mas é um grande incentivo, um somatório de viés positivo. Por isso eu acredito que nos próximos anos teremos um mercado muito favorável, especialmente se as reformas que buscam o equilíbrio das contas públicas avançarem. Já constatamos também que as empresas voltaram a contratar, fazer projetos e novos lançamentos. E não somente na área imobiliária, mas em centros logísticos, hospitais e todos os demais segmentos. Afinal, tudo depende da economia do País para voltarmos a crescer.
As políticas de planejamento urbano de São Paulo para 2020 já estão claras?
A legislação de São Paulo é sempre um exemplo para os demais munícipios. Tivemos grandes mudanças na gestão do prefeito Fernando Haddad: em 2014, com o Plano Diretor, e em 2016, com a Lei do Uso e Ocupação do Solo. Mas, por razões econômicas, esses planos foram pouco testados, o que agora começa a acontecer. Temos, inclusive, feito reuniões para ajustes dessas legislações. As entidades, como Sinduscon, Abrainc e Secovi estão fazendo um esforço grande para isso, junto ao prefeito e ao secretário de desenvolvimento urbano. Já existe um Projeto de Lei praticamente pronto, que visa mudar o limite de altura dos prédios em zonas centrais, de 48 metros para 60 metros, em zonas mistas de 28 metros para 48 metros, e construir mais vagas de garagem, mesmo para prédios com apenas 50 unidades de 80 metros quadrados. Essas alterações não mexem com o conceito, mas oferecem mais flexibilidade para incorporadoras e construtoras atenderem o mercado e o comprador, obedecendo a lei, logicamente. Isso mexe com o preço, com a cara da cidade, com a urbanização e mexe com o mercado imobiliário como um todo.
Como o setor tem se adaptado às novas formas de mobilidade nas grandes cidades?
Existe esse conceito de usar menos carro porque é bom para a cidade, para a saúde e para o meio ambiente. Mesmo assim, muitas pessoas querem ter o carro na garagem pelo menos para sair aos finais de semana. A cultura não dá saltos, ela vai aos poucos. Mas sem dúvida nenhuma o mercado vai acompanhando. E todos estão atentos. Antes, algumas construtoras não tinham coragem de lançar apartamentos de quatro dormitórios se não fosse com quatro vagas. Hoje eu tenho certeza que elas teriam essa coragem. Com isso, é possível erguer empreendimentos com menos subsolo, menor área construída e mais baratos.
E como as novas tecnologias e os aplicativos estão colaborando com o mercado?
As startups de construção estão favorecendo o aquecimento, inclusive as que estão nascendo aqui no nosso programa de inovação, o iCON Hub, criado para fomentar inovação e empreendedorismo na construção civil brasileira, unindo empresas, organizações, empreendedores e centros de conhecimento e tecnologia. Os aplicativos de temporada já são uma realidade muito forte, principalmente aqui em São Paulo e Rio de Janeiro. A gente sente uma tendência grande de investidores totalmente voltados à locação de olho nisso. Já as novas ferramentas e aplicativos que estão surgindo para aperfeiçoar a gestão, trazem ganhos de produtividade, vêm em ótima hora, pois muitas empresas estão com pouco caixa por causa da queda da atividade econômica ocorrida nos anos anteriores.