Enquanto muitos setores tiveram as atividades freadas pela pandemia do coronavírus ou precisaram suspender o trabalho, a construção civil é um dos ramos que segue em pleno vapor. A queda nos juros, a baixa rentabilidade de aplicações financeiras como a poupança e até mesmo o fato de as pessoas estarem mais tempo em casa e desejarem melhorar o espaço de convivência familiar ajudam a explicar o bom momento para construtoras, pedreiros e lojas de materiais de construção.
“Havia uma expectativa muito positiva para este ano, na construção civil. Com a chegada da pandemia, em março e abril, tememos muito o que aconteceria, mas, com o passar do tempo, fomos percebendo que o cenário não era tão ruim quanto se pensava no início”, diz o vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon/RS) e coordenador do escritório regional da entidade, Astor José Grüner.
Ele afirma, inclusive, que, embora estejam abaixo do imaginado para o ano, os resultados do setor devem superar os do ano passado. “Notamos uma perspectiva muito boa. O investimento em imóvel é seguro, pois não se perde. Em função da redução nos rendimentos de aplicação financeira, esse fluxo tem sido direcionado para a construção civil, em compra de imóveis prontos, aquisição na planta, construção e reformas”, analisa.
“Com a redução dos juros para aplicações financeiras, muitos que estavam adiando uma reforma ou construção, e tinham o dinheiro parado, decidiram investir em imóveis. É um investimento seguro, que não se perde.”
ASTOR JOSÉ GRÜNER – Vice-presidente do Sinduscon/RS
Pedreiro
Morador de Mato Leitão, o pedreiro Marcos Dullius, 44 anos, é prova de que o serviço não diminuiu na pandemia. Pelo contrário, alguns clientes precisam esperar até dois meses para que a obra seja iniciada. “Faço obras em Venâncio, Passo do Sobrado, Vale Verde. Quando termino uma, já começo outra”, explica o profissional, que atua na área há 12 anos e realiza tanto reformas quanto construções de imóveis, em todas as etapas.
Quando começaram as medidas de restrição para conter a proliferação da Covid-19, o pedreiro pensou que enfrentaria uma crise. “Mas fiquei só uma semana parado, depois voltei e logo melhorou. Posso dizer que não mudou nada, não teve nenhuma redução de serviço”, comemora. “A única coisa é que a mão de obra aqui é muito desvalorizada, comparando com outras regiões”, pondera.
Comércio
Assim como pedreiros e construtoras, as lojas de materiais de construção também sentem os reflexos positivos. Para o proprietário da Artefatos Pithan e Materiais de Construção, Ademir Celso Pithan, 63 anos, o momento é de muito trabalho. “Não podemos reclamar, estamos com o setor a mil. Essa é uma das melhores épocas do ano e neste 2020 não é diferente”, pontua.
Ele comenta que alguns materiais estão demorando um pouco mais para chegar, como é o caso de ferro e caixas d’agua. “A gente conversa com empresários do ramo e todos falam que estão trabalhando normal, vendendo normal.”
A empresa até ficou fechada durante uma semana, mas logo que o decreto do Município possibilitou o retorno, as demandas são grandes. “O giro está muito bom. Hoje as pessoas estão poupando, deixando de sair, e essa é a hora de reformar algo na casa, construir uma cerca, proporcionar uma melhoria para a família. Por isso, acredito que nosso segmento está atuando normalmente”, comenta Pithan.
“Já se ouve falar que faltam profissionais em Venâncio”
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil e do Mobiliário de Venâncio Aires, Jandir da Silva, observa que o segmento de obras não registrou demissões em massa, como outros.
“No setor de mobiliário e madeireiras, cerca de 200 trabalhadores foram demitidos. São empresas que foram afetadas justamente por não conseguir vender os produtos, com as lojas fechadas durante a pandemia”, analisa. “Mas na parte de construção civil não se percebeu esse problema. Na verdade, já se ouve que faltam profissionais em Venâncio”, comenta.
O representante sindical lamenta, no entanto, que apesar do momento positivo para o setor, o reajuste salarial da categoria tenha sofrido os reflexos da crise e ficado abaixo do espero. “Nossa data-base é em maio, iremos receber apenas a partir de setembro, e somente 2,5%, que é a reposição inflação, enquanto esperávamos de 4% a 5% de reajuste”, diz. Silva comenta que, na negociação entre a federação dos trabalhadores e o sindicato patronal pesou a situação de cidades como Porto Alegre, onde o setor ficou parado por meses. “Não era a realidade da nossa região, mas acabou interferindo e a federação, que representa 26 sindicatos, não obteve êxito na negociação.”
Obras x coronavírus
Diferente de Porto Alegre, onde a construção civil ficou parada por meses, no Vale do Rio Pardo, a maioria das construtoras pôde retornar às atividades em poucos dias, o que contribuiu para não prejudicar o setor, na avaliação do vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon/RS), Astor José Grüner. “Vários estudos já mostram que o setor não é considera um vetor de transmissão do coronavírus, especialmente pelo trabalho ocorrer, principalmente, em ambientes abertos”, diz.
Vendas seguem, mas com mudanças na forma de pagamento
Um dos itens indispensáveis na hora de construir é a madeira e, de acordo com o proprietário da Madepinus, Julberto Kurz, comparando com o mesmo período do ano passado, as vendas continuam parecidas. Porém, desde março, quando iniciou o isolamento social por causa da pandemia, ele precisou readequar as formas de pagamentos para os clientes.
Kurz afirma que, antes, a maioria dos clientes pagava à vista ou em duas, três vezes no cartão e boleto. Atualmente, eles pedem para fazer em mais parcelas. “Comecei a aceitar pagamento em cheque e aumentei o número de prestações”, comenta.
De acordo com ele, a procura por madeira para construções continua alta. “Na quinta-feira, vendi madeiras para um cliente que vai fazer três casas locação. Ele está investindo para ter um retorno no futuro, pois é uma forma de ganhar dinheiro”, acredita.
Ele percebe que os financiamentos para casas estão com juros mais baixos e mais facilidades de pagamento, por isso, as pessoas estão procurando construir mesmo com a crise. “Ter um imóvel é garantia, pois se um dia for vender vai ter sido valorizado financeiramente.”
Pandemia não afetou a construção da casa própria
Ter a casa própria e pátio para cuidar foi um dos desejos da família de Ana Paula Trarbach Pereira, 38 anos. Ao lado do marido Afonso Spies Sieben, a arquiteta e urbanista começou os planejamentos da construção da casa no início do ano. “Sempre tive essa vontade de estar no chão, pois moramos em apartamento. Com a chegada do nosso filho Miguel, de 1 ano e 10 meses, essa vontade só foi fortalecida.”
A primeira escolha foi pelo terreno. A família optou pelo bairro Xangrilá. “Como temos duas crianças, morar dentro de apartamento é complicado. Tínhamos esse sonho e chegou a hora de realizar”, reforça Ana.
Em março, quando começaram as restrições referentes à pandemia do coronavírus, o casal até cogitou esperar, mas como viu que o setor continuava e esse era um dos sonhos, deu andamento. Em junho, eles iniciaram a construção. Até o momento, não encontraram problemas com a entrega de materiais. “Em fevereiro, encaminhamos os papéis para o financiamento e, naquele mês, a obra foi aprovada, foi tudo bem tranquilo”, relembra.
Como atua na área, Ana Paula destaca que o setor está em pleno vapor. “No início, deu uma desacelerada, mas logo na sequência a Caixa Federal também deu mais opções de auxílio para financiar e tudo foi retomando. Sem contar que agora ninguém está viajando, passeando, saindo para jantar, ou seja, sobra mais dinheiro para construir”, frisa a arquiteta.
Queda de juros e opção por um investimento concreto
A queda de juros é uma das razões de os investimentos em construção e compra de imóveis terem aumentado. Conforme o economista Carlos Giasson, a taxa de juros está negativa se comparar com a inflação.
Neste mês, a taxa básica de juros da economia brasileira, conhecida como Selic, passou de 2,25% para 2%, sendo a menor da história desde 1999. “A Selic é referência no mercado de taxas. Ela baixou a maioria das coisas devem baixar, por isso incentiva o consumidor a fazer a economia girar”, explica.
Para ele, a queda de juros, tanto para financiamentos como em compras no geral, é resultado da crise econômica durante a pandemia. Com a diminuição nos juros e o aumento na procura de imóveis, o Produto Interno Bruto (PIB) não sofrerá tanta queda. “Em cada área, reflete de uma forma, mas percebo que os juros da área civil estão acompanhando bem essa queda”, observa o economista.
Giasson explica que a compra ou construção de imóveis são formas concretas de ter o dinheiro investido, por isso, em épocas de crise, as pessoas procuram essa garantia. “A poupança não rende mais como antigamente, então ter uma casa própria ou até para locação é uma garantia de dinheiro no futuro, casa necessite e não tenha guardado. Por exemplo, é um possível penhoramento ou venda, pois a valorização de imóvel é grande.”
“A poupança não rende mais como antigamente, então, comprar imóveis acaba sendo uma forma concreta de investir. Ter uma casa própria ou até para locação é uma garantia de dinheiro no futuro.”
CARLOS GIASSON – Economista
DICA
O economista Carlos Giasson sugere que, quem estiver interessado em financiar um imóvel, procure uma linha de crédito que não comprometa muito a renda, porque será uma dívida de longo prazo.
TAXA SELIC
- A Selic é a taxa básica de juros da economia.
- Ela é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação.
- A Selic influencia todas as taxas de juros do país, como as taxas de juros dos empréstimos, dos financiamentos e das aplicações financeiras.
- Quando ela cai, tomar dinheiro emprestado fica mais baratos e isso estimula o consumo.
Fonte: Banco Central
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