E se parte do imenso volume de “lama” que encobriu a cidade de Mariana, em 2015, e Brumadinho, no último dia 25, pudesse ter um destino diferente e não precisasse ficar contido nas barragens como acontece atualmente? Desde o início dos anos 2000, professores e pesquisadores de universidades mineiras – estado onde estão 688 barragens – vêm desenvolvendo formas de fazer com que o material passe a ter utilidade.
O que frequentemente compõe os rejeitos das mineradores são elementos que fazem com que a lama seja chamada de “estéril”, por ser desprovida de valor econômico e frequentemente não ter aplicação prática.
Segundo o físico Fernando Soares Lameiras, professor doutor e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os rejeitos são constituídos normalmente por quartzo, óxido de ferro, argila e água. “Esses rejeitos da mineração de ferro são inertes e não perigosos. São problemáticos pela quantidade que é gerada, mas do ponto de vista de afetar a saúde humana, eles não teriam problemas”, explica.
Por conta disso, os produtos à base dos rejeitos das barragens podem ser utilizados na fabricação de materiais como blocos intertravados, tijolos, concreto asfáltico, produtos para tratamento de água, tintas, cerâmicas, vidros e até mesmo itens mais sofisticados, como componentes de painéis fotovoltaicos. “A sílica encontrada nesse rejeito é uma característica da região, é um quartzo de alta pureza, uma vez que separa o óxido de ferro, valioso para produzir o silício fotovoltaico”, detalha o físico. Outra utilidade dos rejeitos é a fabricação de pelotas para serem utilizadas em vasos de plantas.
O professor, que há 13 anos trabalha com a universidade junto às mineradoras em busca de soluções viáveis para todos os envolvidos, diz que a pesquisa acadêmica gerou dezenas de produtos que poderiam dar um destino diferente aos rejeitos que hoje sobrecarregam as barragens. “Já fizemos diversas análises e percebemos que mesmo que fossem utilizados os rejeitos para desenvolver pigmento e fornecer para todos os países do mundo, ainda assim sobraria material. Não eliminaríamos o problema, mas seria possível atenuá-lo”, explica.
Itens como os tijolos e blocos intertravados possuem custos muito similares de fabricação em relação a materiais de construção convencionais, de forma que poderiam facilmente substitui-los. “Esses produtos atendem as normas da construção civil brasileira, mas, para que demonstrem viabilidade econômica, as mineradoras precisam distribuir os rejeitos sem custo e a fabricação e distribuição deve ser feita em um raio de cerca de 200 km de distância do local de coleta. No caso de Brumadinho, por exemplo, isso já engloba a região metropolitana de Belo Horizonte, que teria mercado para isso”, aponta.
Segundo o professor Lameiras, pesquisas do gênero são desenvolvidas também por outras universidades mineiras, como é o caso da Universidade Tecnológica Federal de Minas Gerais e da Universidade Federal de Ouro Preto, além de outros grupos de pesquisa dentro da própria UFMG. O professor Evandro Gama, do Centro de Estudos da universidade, por exemplo, chegou a coordenar a construção de uma casa inteira somente com materiais à base de rejeitos.
O problema é que as ideias saem do papel, mas não das prateleiras, por conta da resistência do mercado a novos produtos. “Temos uma ampla rede de pesquisas, financiada pelo CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], duas redes financiadas por fundações estaduais e apoio das mineradoras, a Vale e a Samarco. Então, o esforço maior agora é no sentido de incentivar startups para criar modelos de negócios para ver se conseguimos vencer essa barreira”, projeta Lameiras.
No caso das pesquisas realizadas pelo CDTN, apenas dois produtos já foram fabricados em escala industrial – blocos de pavimentaçãocriados pela Samarco, cuja produção parou depois do rompimento da barragem em Mariana, e madeira plástica, na qual a lama foi usada para a pigmentação.
Fonte: www.gazetadopovo.com.br
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